Reconhecimento Facial em Estádios Brasileiros: Violação de Direitos e Riscos para Crianças e Adolescentes

Reconhecimento Facial em Estádios Brasileiros: Violação de Direitos e Riscos para Crianças e Adolescentes

O uso de tecnologia de reconhecimento facial em estádios de futebol no Brasil tem sido alvo de preocupação e denúncia por parte de pesquisadores e especialistas. Um relatório recente revelou que essa prática está sendo aplicada de forma ilegal, especialmente no que diz respeito à exposição de crianças e adolescentes menores de 16 anos.

Violação de Leis e Direitos

De acordo com o relatório "Esporte, Dados e Direitos: O uso de reconhecimento facial nos estádios brasileiros", produzido pelo grupo de pesquisadores O Panóptico, o uso dessa tecnologia em crianças e adolescentes desrespeita o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei Geral do Esporte. Além disso, a prática também viola o Termo de Acordo entre a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e o Ministério da Justiça e da Segurança Pública (MJSP), bem como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que preveem a coleta e compartilhamento de dados apenas após os 18 anos.

"Tem clube que está cadastrando criança de colo, que tem catracas pequenas para elas entrarem. Só que as crianças estão sob uma lei específica que, se para os adultos já não tem a referência à LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais) na Lei Geral do Esporte, quem dirá em relação ao ECA. É uma preocupação principalmente com a possibilidade de vazamento e utilização desses dados para, por exemplo, alimentar o banco de dados de inteligência artificial", alerta Raquel Sousa, uma das autoras do relatório.

Riscos e Discriminação

Além da violação legal, o uso do reconhecimento facial em crianças e adolescentes também apresenta riscos significativos. O relatório aponta que essa tecnologia pode gerar impedimento de acesso, abordagens violentas e até mesmo prisões errôneas.

Outro ponto destacado é o fato dessas tecnologias resultarem em discriminação e impactarem desproporcionalmente grupos sociais específicos, baseados em classe, cor e gênero. Um estudo de 2018 revelou que as taxas de erros são muito maiores com mulheres negras (34,7%), enquanto o erro máximo para homens brancos era de apenas 0,8%.

"A população negra, principalmente as mulheres negras, sofrem uma série de violências da sociedade. Expô-la a uma taxa de erro tão maior, no momento em que está indo ter um tipo de lazer, é expor pessoas que já sofrem socialmente com diversos tipos de violência a mais uma em um momento que deveria ser de alegria, de felicidade", afirma Raquel Sousa.

Expansão do Uso da Tecnologia

Apesar dos riscos e violações, o uso do reconhecimento facial em estádios brasileiros tem se expandido. Segundo o relatório, 20 estádios já utilizam essa tecnologia, e outros dois estão em processo de implementação.

Entre os clubes de futebol analisados, o Goiás informou que tem catracas menores para o reconhecimento facial de crianças. No total, são 210 mil torcedores cadastrados, sendo 30 mil com idades entre 2 e 14 anos, ou seja, 14,3% do total.

Preocupações com Privacidade e Comercialização de Dados

Além dos problemas legais e de discriminação, o relatório também aponta preocupações com a privacidade e a possível comercialização dos dados biométricos coletados. Os dados dos torcedores são enviados apenas uma vez, antes do acesso à página de compra de ingressos, mas são administrados por empresas terceirizadas, o que facilita o vazamento e o uso indevido dessas informações.

"O vazamento desse tipo de dado pode ser muito mais facilitado, até por conta do intercâmbio de dados entre empresas para que o torcedor simplesmente entre no estádio. E ele poderia entrar com outros meios. A justificativa de segurança poderia ser obtida a partir de outros meios. Você expõe os dados, que podem ser utilizados pelo clube ou por outras empresas para fins comerciais, o que muda a figura do torcedor enquanto integrante de uma cultura para uma lógica de comércio, de consumo", alerta Raquel Sousa.

Conclusão

O uso de reconhecimento facial em estádios brasileiros representa uma grave violação de direitos, especialmente no que diz respeito à proteção de crianças e adolescentes. Além disso, essa tecnologia tem demonstrado problemas de discriminação e riscos de segurança, colocando em risco a privacidade e a integridade dos torcedores.

É fundamental que as autoridades competentes, os clubes de futebol e as empresas responsáveis pelo serviço de controle biométrico atuem de forma urgente para coibir essa prática ilegal e garantir a proteção dos direitos dos cidadãos. Somente assim poderemos assegurar que os estádios sejam espaços de lazer e entretenimento seguros e acessíveis a todos, independentemente da idade, cor ou condição social.

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